Entretenimento Digital: Produção em Massa para Consumo
Individual e Personalizado
Nos últimos anos, a disrupção
tornou-se o novo normal. Atualmente, ela é impulsionada por uma transformação
digital (#DX) com diversas origens, podendo surgir a partir de novos modelos de
negócios, startups e até mesmo de novos marcos regulatórios, trazendo inovações
e gerando mudanças em todos os ambientes, das empresas em que trabalhamos às
nossas residências e espaços de lazer.
Rapidamente, as tecnologias
emergentes vêm assumindo o papel de novas janelas da realidade em todas as
dimensões de nossa vida cotidiana. Todavia, seu consumo ainda é uma questão de
opção, ou seja, apenas os indivíduos e organizações que abraçarem as inovações,
ao invés de rejeita-las, colherão os benefícios da disrupção digital.
Estamos atravessando uma
transformação fundamental na forma como vivemos e trabalhamos, pois a
velocidade e intensidade de mudanças da atual onda de transformação digital
causará impactos em uma escala sem precedentes. A #DX é tão abrangente e
profunda, que a própria natureza do trabalho está sendo redefinida, assim como
o conceito de força de trabalho e os de descanso ou lazer.
Para o bem ou para o mal, os avanços
na forma como o conteúdo é criado, gerenciado, armazenado, compartilhado e
consumido por indivíduos e empresas, criaram uma gama avassaladora de
oportunidades e ameaças para as pessoas e organizações.
Evidências e Impactos Recentes
da Disrupção Digital
·
Assistente Digital: Se por um lado, Assistentes
Digitais, baseados em Inteligência Artificial (IA), como Amazon Alexa Echo e
Google Home, invadem nosso dia a dia doméstico, revolucionando a forma com que
lidamos com nossos próprios lares, por outro lado, as previsões do Gartner indicam
que, já em 2020, 85% das interações de eCommerce não envolverão de um atendente
humano, mas sim um chatbot;
·
Wearables: O Apple Watch, relógio
inteligente de maior sucesso no mundo, não apenas superou o tradicional Rolex
como a marca de relógio de pulso mais vendida da história, como suas vendas
anuais já superam a soma das vendas de todas as demais marcas de relógio de
pulso. Além disso, para 70% dos mais de 12,2 milhões de usuários (2018), o
smartwatch da Maçã foi o primeiro relógio de pulso de suas vidas;
·
Connected Cars: Quão distantes estão
os futuros carros totalmente autônomos? Qual será seu efeito prático na vida
das pessoas? Qual será seu impacto na maneira como vivemos, trabalhamos,
interagimos socialmente e cuidamos de deficientes e idosos, quando nossos
veículos puderem se auto conduzir com segurança de um ponto a outro? Máquinas
que executam ações inteligentes sem supervisão humana são um dos sonhos de
longa data da #IA e estão rapidamente se aproximando da realidade.
A quantidade total de dados trafegados
na Internet em 2022, 4,8 Zb (Zettabytes ou 1021 bytes), será maior
do que a soma de toda a informação que circulou desde os primórdios da rede até
2016. Este marco será atingido graças, entre outras coisas, ao forte aumento da
quantidade de dispositivos conectados à Internet das Coisas e à geração e
consumo massivo de conteúdo digital na atual era da informação.
Diante deste boom de crescimento
na geração de conteúdo na Internet, surgem diversos novos questionamentos, uns
dos mais imediatos seria como se passou a consumir conteúdo atualmente? Mais
especificamente, como e onde se acessa o conteúdo que mais consome banda de
rede hoje, ou seja, a multimídia e o entretenimento digital?
Caso esta pergunta seja feita a
20 pessoas diferentes, é muito provável que se obtenha 20 respostas diferentes,
mesmo que algumas destas pessoas morem sob o mesmo teto. Por exemplo:
·
Um dos pais pode assistir ao primeiro episódio
da temporada final de Game of Thrones em uma televisão de 60 polegadas no
domingo à noite, data e hora de seu lançamento oficial na grade da TV por
Assinatura;
·
O outro pai pode assisti-lo no final da noite via
aplicativo HBO Go em um tablet;
·
O filho adolescente pode deixar para ver no dia
seguinte em seu smartphone, ao mesmo tempo em que joga um videogame;
·
Finalmente, a filha, que chegou tarde da
universidade, pode fazer o download e assistir o episódio em seu laptop dias mais
tarde.
Ou seja, os consumidores estão
abraçando as novas oportunidades para desfrutar cada vez mais experiências multimídia
adaptadas exclusivamente às suas preferências, contextos e horários pessoais. Cada
vez mais móveis e menos ociosos, os consumidores de todo o mundo querem exercer
maior controle sobre como e quando consomem seu entretenimento digital.
Eles fazem isso centralizando seu
consumo em smartphones, além de uma gama crescente de diversos outros dispositivos
acessórios onde organizam suas playlists de filmes, músicas, podcasts e demais
fontes de conteúdo. Por fim, novas e ainda mais imersivas experiências de
consumo de entretenimento digital estão surgindo, nos envolvendo de conteúdo em
nossas casas inteligentes e carros conectados.
O tema central desse enorme e
crescente mundo da mídia se foca na demanda cada vez maior de digitalização e individualização.
Vivemos a dicotomia do conteúdo que é produzido para a massa, porém minerado
pelo indivíduo para seu consumo personalizado e individual. Assim, as empresas
estão sendo obrigadas a adaptar suas ofertas e modelos de negócio para girar em
torno de preferências pessoais, cruzando dados e descobrindo padrões de uso
para entregar seus produtos não para audiências de bilhões, mas para bilhões de
indivíduos únicos.
As maiores plataformas de mídia
na nuvem atendem e antecipam as necessidades pessoais dos usuários com playlists
e recomendações ativadas por algoritmos de Inteligência Artificial. Por outro
lado, inseridas em nossos lares, ninguém conhecerá melhor os desejos dos
consumidores do que as Assistentes Digitais, pois ouvem e atendem todas as demandas
e solicitações de seus proprietários, desde a previsão do tempo, passando por
suas compras e refeições, até suas séries de TV, filmes e músicas preferidas.
Trata-se de um mundo em que tudo
converge para o consumidor e sua experiência individual. Mas também é um mundo
de divergências tanto no nível individual quanto no global. A personalização é
o oposto da padronização, o que significa que a experiência de todos com uma
música específica, filme ou jogo é única e pessoal.
Vivemos a transição entre a Era
da Informação para a Era da Recomendação.
Assim como as demais técnicas de Inteligência
Artificial e Aprendizado de Máquina, um Sistema de Recomendação faz previsões sobre
preferências com base em comportamentos, experiências e interesses dos
usuários. Resumidamente, os Sistemas de Recomendação utilizam basicamente duas
abordagens de predição, ou seja, a Filtragem Colaborativa e a
recomendação Baseada em Conteúdo.
A abordagem Baseada em
Conteúdo recomenda itens a partir da correlação de metadados do conteúdo
com as informações de interesse que o usuário informou em seu cadastro no
sistema. Este tipo de recomendação requer assim uma grande quantidade de
informações acerca dos usuários e dos itens de conteúdo. Neste caso, se o
conteúdo em questão for composto por filmes, por exemplo, os atributos serão
seus dados sobre gênero, faixa etária, país e ano de produção, diretor, elenco
etc.
Já a Filtragem Colaborativa,
por outro lado, não utiliza metadados de conteúdo, baseando-se apenas no
histórico de preferências dos usuários, recomendando itens semelhantes aos que
foram bem avaliados pelo próprio usuário, ou bem avaliados por usuários com
perfis semelhantes ao do usuário alvo. Neste caso, a principal suposição aqui é
que os usuários que consumiram um conteúdo no passado tendem a consumir algo
similar no futuro. Em termos de preferência do usuário, geralmente é expresso
por duas categorias, ou seja, Classificação Explícita e Classificação
Implícita.
A Classificação Explícita se
baseia na avaliação (escala de 1 a 5 estrelas) atribuída pelo próprio usuário ao
conteúdo. Trata-se do feedback direto dos usuários referente às suas
preferências sobre um determinado conteúdo. A Classificação Implícita, por
sua vez, supõe a preferência dos usuários indiretamente, com base nas
visualizações de página, cliques, registros de compra, consumo de um conteúdo
similar, etc.

Enquanto a Recomendação Baseada
em Conteúdo apresenta limitações como a superespecialização e a análise
limitada de conteúdos, pois um sistema puramente baseado em conteúdo é incapaz
de recomendar itens que não tenham alta similaridade com o perfil do usuário.
Por outro lado, a Recomendação Colaborativa enfrenta problemas para
analisar usuários recém-chegados ou itens de conteúdo cadastrados recentemente,
situação conhecida como Cold Start ou partida a frio. Ou seja, todas as
técnicas de recomendação ainda esbarram, em algum grau, na atual baixa maturidade
da análise semântica disponível atualmente no mercado.
Uma terceira e mais recente
abordagem de
recomendação, a Baseada em Conhecimento,
busca mitigar a fragilidade das abordagens de classificação e relacionamento de
conteúdo acima, que se baseiam principalmente em aspectos sintáticos dos
conteúdos tratados. Esta ferramenta de recomendação inova a partir da
incorporação de elementos semânticos nos processos de indexação e
relacionamento de conteúdo, ficando imune ao problema relacionado ao
Cold
Start.
Apesar de bons resultados
observados por essa ferramenta, ainda são identificadas necessidades de aprimoramento,
tanto nas atividades de classificação dos conteúdos, como na representação e
tratamento dos relacionamentos entre conteúdos e possíveis interessados. Além
disso, a desvantagem correspondente a esta abordagem é representada pelo
gargalo em potencial na aquisição de conhecimento, desencadeado pela
necessidade de definir o conhecimento da recomendação de maneira explícita. Um
exemplo prático de serviços que utilizam a recomendação Baseada em
Conhecimento é a busca avançada do IMDb (Internet Movie Database - www.imdb.com/search/title),
onde o cinéfilo determina os parâmetros da pesquisa a fim de que o sistema retorne
os filmes e séries de TV similares, registrados em seu banco de dados.
Um exemplo de algoritmo utilizado
para recomendação é a rede neural utilizada pelo YouTube, que considera inputs
como características do vídeo, conteúdo, tópico, tempo de upload, bem como
características do usuário, tempo, perfil, cliques, comportamentos, satisfação,
likes, etc, utilizando um mecanismo de ranking para sugerir mais conteúdo, como
mostra a figura a seguir:
Figura 1. Rede Neural do algoritmo de
recomendação do YouTube, publicada no paper: Recommending What Video to
Watch Next: A Multitask Ranking System (Google)
Todavia, embora esse novo mundo onde
a mídia é individualizada esteja envolvendo o consumidor, a mudança de foco do “um
bilhão” para foco nos “bilhões de uns” ainda não está completa. A PwC, por
exemplo, publicou em seu Global Entertainment & Media Outlook 2019-2023
que os consumidores ainda estão insatisfeitos com as recomendações de seus
serviços de streaming. E o pior é que, ao invés de evoluir, a previsão é de um
possível retrocesso nos sistemas de recomendação, pois novos desafios relacionados
ao tratamento e a propriedade de informações pessoais estão sendo criados por
reguladores em todo o mundo, pressionando as empresas a se adaptarem a novos
regimes de privacidade. Ou seja, é possível que questões relacionadas à
segurança e a privacidade dos dados pessoais limitarão a capacidade das
empresas de entretenimento e mídia de individualizar a experiência da mídia no
futuro.
Finalmente, a aplicação de
algoritmos preditivos e Inteligência Artificial na recomendação de conteúdo tem
um enorme potencial, mas os consumidores, o mercado e os reguladores precisam
agir com cuidado, a fim de equilibrar os benefícios da recomendação individual
versus o direito à privacidade e à propriedade de Dados Pessoais. Ficando
atentos aos seguintes conceitos:
·
Proteção de Dados Pessoais [com moderação]
·
Orientação às Empresas para Inovar com
Responsabilidade
·
Incentivo à Criatividade e à Inovação
·
Constante Conquista e Manutenção da Confiança
dos Cidadãos
Ou seja, não podemos permitir a
hiper-regulação, nem deixar o mercado totalmente desregulado a fim de evitar
abusos contra o consumidor, por parte de grandes grupos econômicos e BigTechs.