quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Como reduzir o Viés da Inteligência Artificial nos Processos de Recrutamento, Seleção e Contratação

 

A utilização da Inteligência Artificial (#IA) vem afetando a vida humana de diferentes formas, proporções, momentos de maturidade e velocidade há décadas. Embora a grande parte do uso da Inteligência Artificial seja aparentemente imperceptível aos usuários finais, e, em certa medida, nem cheguemos a perceber o surgimento de novos sistemas, ferramentas ou produtos baseados em IA, há níveis de profunda transformação e penetração dessa tecnologia em nossas vidas cotidianas. Em especial em áreas onde seu uso supera de longe o desempenho e a produtividade do ser humano, principalmente nas corporações, onde a disrupção tem grande impacto e visibilidade.

No ambiente corporativo, o uso da Inteligência Artificial e o subsequente suporte a algoritmos complexos que “aprendem e crescem” (Aprendizado de Máquina - #ML) vem assumindo as tarefas operacionais, repetitivas e massivas, permitido que os seres humanos se concentrem em tarefas mais complexas, que exigem criatividade, inovação, improviso e tomada de decisões estratégicas. As decisões não estratégicas, inclusive, já começam a ser tomadas por máquinas, desde que bem treinadas para isso.

De acordo com o Personnel Today[1], um dos maiores sites de RH da Inglaterra, 38% das empresas hoje estão utilizando a Inteligência Artificial no local de trabalho, e 62% planejam começar a utilizá-la em 2020.

Os chatbots, voicebots e assistentes virtuais, por exemplo, já fazem parte de nosso cotidiano pessoal e começam a integrar nosso local de trabalho. Neste caso, nos ajudando a encontrar novos empregos, a responder a perguntas frequentes ou exercendo a função de ferramentas de treinamento e/ou orientação.

Normalmente somos levados a acreditar que ferramentas e algoritmos de computação devem ser entendidos como elementos puros e naturalmente livres de preconceitos e demais fenômenos sociais inerentes aos seres humanos. Porém, os algoritmos geralmente refletem preconceitos inconscientes, presentes de forma invisível nos dados nos quais são treinados. Esses preconceitos podem afetar grupos étnicos, de gênero, etários, religiosos ou com algum tipo de deficiência física, por exemplo.

No mundo ideal, a aplicação da IA em processos corporativos, como a contratação de pessoal, deveria eliminar os preconceitos conscientes e inconscientes que temos, uns contra os outros, contribuindo bons candidatos, pertencentes a grupos minoritários, consigam bons empregos. Infelizmente, em vez disso, a adoção de soluções de IA que não tenham sido devidamente depuradas pode chegar a dobrar a incidência desse viés ou tendência inconsciente, atribuindo um peso ainda mais desproporcional a favor ou contra uma pessoa ou grupo comparado a outro.

O real impacto da adoção da IA em diversos cenários corporativos e cotidianos têm sido foco de estudo nas mais diversas esferas. Um desses grupos, formado pela Microsoft, a IBM e o Vaticano[2], acaba de postular seu manifesto sobre os princípios da IA, que, em sua ótica devem abranger justiça, confiabilidade, privacidade e segurança, inclusão e transparência, além de serem auditáveis.

Baseados nesses princípios e no intuito de mitigar a ocorrência de escolhas enviesadas, os mais recentes projetos de inovação em RH (#RHTech) têm levado em consideração as seguintes boas práticas para orientar a utilização da Inteligência Artificial, do Aprendizado de Máquina (#ML) e de Algoritmos Preditivos na área de Recursos Humano:

1) Analisar os dados qualitativamente e revisar os algoritmos criteriosamente

O primeiro passo para acoplarmos a IA a projetos de RH é o desenvolvimento de (bons) Algoritmos de Aprendizado de Máquina para o processo de contratação de pessoal. Todavia, tão ou mais importante que os algoritmos é a base de dados disponível. Diferentemente das pessoas, que enxergam os dados simplesmente como um conjunto objetivo de informações, as máquinas os entendem como verdades absolutas. Ou seja, caso não haja dados diversos o suficiente para o treinamento das máquinas, o resultado pode ficar muito distante do almejado.

A Amazon, por exemplo, descobriu que seu elogiado software de contratação de pessoas aprendeu rapidamente que candidatos masculinos tendiam a ter mais experiência do que candidatos femininos, quando se tratava do setor de tecnologia. Assim, o algoritmo começou a filtrar currículos de mulheres de forma preventiva como um atalho em decorrência desse conhecimento, pois, assim como nós, as máquinas também usam “atalhos mentais” em seu processo de aprendizagem.

Essa possível disfunção, no entanto, não é exatamente culpa dos dados, mas sim da insuficiência deles para a construção de uma série histórica necessária para contemplar todo o cenário de possibilidades que o algoritmo deve considerar. Cabe, então, à equipe humana garantir que os dados usados no aprendizado não ensinem acidentalmente padrões incorretos às máquinas.

Por outro lado, certamente a diversidade pela diversidade não é uma boa opção, pois, no limite, corre-se o risco de desvalorizar o aspecto mais importante, ou seja, a aptidão técnica do candidato. Dessa forma, as respostas aos currículos avaliados devem ser baseadas nas premissas da vaga, porém sem menosprezar a diversidade. Além disso, deve-se criar um procedimento de revisões frequentes dos dados e algoritmos a fim de que não se esteja simplesmente automatizando preconceitos humanos inconscientes.

Por fim, a melhor prática, neste caso, seria enfatizar a necessidade de melhores dados e a criação de pontos de controle contínuos no pipeline de contratação da área de recursos humanos, pois, como qualquer nova abordagem tecnológica, a Inteligência Artificial é capaz de gerar bons e maus resultados.

2) Trabalhar com equipes e empresas que favoreçam explicitamente a diversidade

Uma vez que o investimento na construção de algoritmos preditivos demanda a alocação de uma equipe de desenvolvimento altamente qualificada e de custo elevado, as empresas normalmente optam por contratar consultorias externas, com especialidade em Inteligência Artificial e Machine Learning.

Com isso, torna-se necessário o acoplamento de mais uma camada de proteção à diversidade em projetos de RHTech, que passam a requerer a extensão do monitoramento aos resultados gerados pelo parceiro tecnológico em questão, validando se os programadores estão desenvolvendo soluções efetivamente livres de preconceitos.

Neste sentido, adicionar diversidade às equipes humanas de contratação (RH) e de desenvolvimento de algoritmos contribui para minimizarmos possíveis pontos cegos corporativos. Certamente, a adoção dessas políticas contribui sobremaneira para o favorecimento de soluções explícitas de diversidade, tanto internamente quanto com empresas terceiras.

3) Considerar uma perspectiva aumentada

Uma vez que o bom senso e o meio termo normalmente apontam para a direção mais adequada, os desenvolvedores de novas soluções de contratação têm optado por aplicar o conceito de “inteligência aumentada” em vez de “inteligência artificial”. Assim, as ferramentas devem agregar valor às equipes de RH, trabalhando conjuntamente e, não, de forma excludente.

A isenção do processo apenas será garantida se baseada em uma abordagem multidisciplinar, na qual os algoritmos de contratação são codificados de forma a ignorar informações demográficas explícitas, e seus resultados sejam continuamente analisados por uma equipe de RH humana, que observe em detalhe se todos os currículos selecionados realmente sinalizam neutralidade de escolha.

No caso da Amazon, o descompasso foi detectado pela equipe humana, ao perceber que os currículos eram predominantemente masculinos. Infelizmente para a o bem da evolução das ferramentas de IA para a área de Recursos Humanos, em vez de assumir que seus dados apresentavam viés e corrigir sua neutralidade, a Amazon descartou todo o projeto. Nesse caso, o vilão não foi o algoritmo, mas o padrão existente na base de currículos da empresa, utilizada para treinar o modelo computacional, cuja predominância de candidatos do gênero masculino refletia a quase ausência de mulheres observada na indústria de tecnologia.

Todavia, uma das tão desejadas inovações para facilitar o trabalho de gestores de pessoas, ou seja, um motor baseado em Machine Learning que receba 100 currículos e devolva os 5 melhores para a contratação, está chegando ao mercado. Um excelente exemplo da automação ao limite do processo de recrutamento e seleção é o chatbot de chamado Andy. Os recrutadores humanos agora poderão contar com essa nova ferramenta, sobrando mais tempo para atividades que explorem suas habilidades específicas, contribuindo para refinarmos o complicado processo de encontrar a equação perfeita.

Nesse cenário, as iniciativas de contratação de IA podem ajudar recrutadores e equipes de contratação a trabalhar de maneira mais estratégica em geral, aumentando as chances de uma empresa encontrar o candidato certo e não apenas o candidato típico ou subótimo.

Atualmente contamos com alguns aplicativos baseados em IA que auxiliam diversas fases do processo de busca pelo melhor candidato. O Paradox, por exemplo, usa o Olivia[3] como um assistente pessoal robótico, cuja função é a de executar o secretariado inerente ao processo - triagem de candidatos, agendamento de entrevistas, resposta a perguntas de candidatos e funcionários e integração de novas contratações –, permitindo que os profissionais de RH se concentrem na entrevista e escolha final dos candidatos. Outra interessante ferramenta para RH é o VCV, um robô-recrutador com inteligência artificial que procura candidatos; chama-os com perguntas usando o reconhecimento de voz e os convida a gravar uma entrevista em vídeo.

Já o Glider, por sua vez, é uma plataforma de recrutamento baseada em IA que se propõe a ajudar recrutadores a, literalmente, colocar seus esforços de contratação no “piloto automático” quando estiverem ocupados com outras tarefas ou fora do escritório. Finalmente, caso a demanda seja a de recomendação de cursos e treinamentos para os colaboradores já contratados, soluções como o SAP SuccessFactors, Cornerstone, Talentsoft e muitos outros fornecem recursos semelhantes para recomendar cursos com base na carreira e no desempenho de uma pessoa.

A convivência harmônica entre homem e máquina nos departamentos de RH fará com que as ferramentas melhorem os processos de contratação e os humanos aprimorem essas ferramentas, em um processo evolutivo contínuo.

Finalmente, as melhores ferramentas de RH baseadas em IA irão desempenhar um grande papel na transformação digital das áreas de gestão de pessoas e da força de trabalho; efetivamente reduzindo o viés humano, aumentando a eficiência na avaliação de candidatos, maximizando a aplicação da conformidade corporativa, aumentando a adoção de métricas e melhorando o aprendizado no local de trabalho. Benefícios esses, que as organizações começam a experimentar assim que iniciam suas jornadas de adoção da Inteligência Artificial e do Machine Learning no ambiente corporativo.

[1] Em um documento conjunto tornado público em 28/fev/2020, o papa, juntamente com a Microsoft e a IBM, expôs uma visão que delineou princípios para as tecnologias emergentes e pediu novos regulamentos. O Papa Francisco quer que o reconhecimento facial, a inteligência artificial e outras novas tecnologias poderosas sigam uma doutrina de princípios éticos e morais. https://finance.yahoo.com/news/pope-endorse-principles-ai-ethics-080413576.html

[2] Personnel Today é o principal site de RH de acesso gratuito do Reino Unido, recebendo em média 300.000 visitantes únicos por mês.

[3] www.paradox.ai/demo - Segundo a própria Olivia, ao se apresentar, ela é uma assistente baseada em IA que ajuda as equipes globais de recrutamento e RH a transformarem suas formas de trabalhar.

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