quinta-feira, 19 de março de 2009

PERSPECTIVA CONSUMO: Só o corte da Selic não é suficiente para o setor de Varejo

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Que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) em reduzir em 1,5 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, surpreendeu e trouxe alívio ao mercado é sabido por todos. Mas para o setor de consumo e varejo, o recuo do juro por si só não promove uma melhora relevante do cenário.

Segundo especialistas consultados pela Agência Leia, há outros indicadores econômicos que precisam ser avaliados, dentre eles o comportamento futuro do spread bancário (a diferença entre a taxa de captação e a taxa cobrada aos clientes), a perspectiva de inadimplência e a demanda dos consumidores por bens duráveis e não-duráveis.

"A política monetária exercida pelo Banco Central é de combate à inflação. Quando o Copom se deparou com uma inflação descendente por conta de uma queda no consumo, ele se decidiu pelo corte na Selic. Essa ação pode promover uma retomada do crescimento, com boas perspectivas, mas no curto prazo não vejo melhora, tanto para o varejo, quanto para a economia em geral", afirma o professor de derivativos e riscos do Ibmec São Paulo, Alexandre Jorge Chaia. Ele prevê uma Selic de 11% até o final do ano, o que representa um corte potencial de 1,75 ponto percentual no juro básico, que hoje está em 12,75% ao ano.

Chaia destaca que além da Selic, o que deve ser reduzido também é o spread bancário. "O aumento da inadimplência força uma manutenção de uma taxa alta de spread e creio que os empréstimos continuarão caros no decorrer do primeiro semestre do ano. No segundo semestre, acredito em uma recuperação do emprego formal e do consumo, uma freada na inadimplência, ou seja, um cenário propício para uma redução no custo do dinheiro", afirma o professor do Ibmec São Paulo.

Dados da Serasa Experian divulgados recentemente mostram que a inadimplência continuará por um bom tempo. Em 2008, a inadimplência das empresas cresceu 4,8% ante 2007. Já em dezembro, na comparação com dezembro de 2007, a inadimplência com pessoas jurídicas cresceu 36,1%, registrando a maior taxa desde 1999. Já na variação mensal (dezembro de 2008 ante novembro de 2008), o crescimento foi de 5,9%.

Já a inadimplência do consumidor teve alta de 8% no ano passado, na comparação com 2007. O avanço é o maior desde 2006, quando houve evolução de 10,3%. Em dezembro, o aumento da inadimplência foi de 12,8%, ante dezembro de 2007 e de 2,5%, na comparação com o mês imediatamente anterior, novembro.

Outra pesquisa da empresa, realizada entre os dias 5 e 9 de janeiro com 1.024 executivos, mostrou que 72% dos empresários acreditam que a inadimplência aumentará no primeiro trimestre, enquanto 20% apostam na estabilidade. Entre os setores, as instituições financeiras lideraram as citações com 86% achando que ocorrerá crescimento, ante 73% na indústria, 71% nos serviços, e 70% no comércio.

Além disso, é aguardada por 48% dos pesquisados uma queda na oferta de crédito, tanto para as pessoas físicas quanto para as jurídicas.

A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) defende uma redução na periodicidade das reuniões do Copom que hoje é de 45 dias. "A economia é dinâmica e não dá para esperar tanto tempo por uma nova decisão, qualquer que seja ela", afirma o economista da entidade, Marcel Solimeo. A redução de 1,5 ponto percentual na Selic, segundo Solimeo, tem efeito mínimo sobre os financiamentos, porque a taxa básica é somente uma parte dos juros, que ainda possui tributações embutidas. Para ele, o ideal hoje - diante da queda do nível de atividade e do aumento das taxas de desemprego - seria uma Selic em torno de 2% a 3% ao ano.

Na visão do economista, o Banco Central tem que tomar outras medidas para que não falte crédito, principalmente, para as pequenas e médias empresas, que são as que mais sofrem com a crise. Dentre essas medidas, Solimeo destaca uma nova redução no volume de depósitos compulsórios, para que os ganhos sejam destinados ao crédito direcionado à essas empresas e a extinção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), como forma de reduzir o custo do dinheiro e a expectativa de taxas crescentes de inadimplência.

Para a gerente de pesquisa do BB-Investimentos, Marianna Waltz, a atitude do Banco Central em relação ao juro básico pode ser um indício de uma tendência de novas quedas. "O efeito prático do corte de juros para as empresas de varejo é mínimo, mas se esse movimento se tornar uma constante, ai sim veremos benefícios. Contudo tem uma outra variante relevante para o setor neste cenário adverso: a demanda", afirma ela, ressaltando que é inevitável uma desaceleração do consumo neste ano.

"O cenário ainda é negativo para as empresas do setor de consumo e varejo: a taxa de desemprego está aumentando, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) ainda está em patamar alto, embora tenha registrado uma leve melhora entre dezembro e janeiro [dados Fundação Getúlio Vargas (FGV)] e o custo do dinheiro ainda está muito alto", destaca Marianna Waltz.

A gerente de pesquisa do BB-Investimentos mantém a análise de que as empresas que trabalham com bens duráveis, como automóveis e eletroeletrônicos, sofrerão mais com a crise e que companhias como Lojas Americanas e Pão de Açúcar estão mais preparadas para passar por essa fase. A primeira pelo sortimento de produtos, o que demonstra uma flexibilidade para uma possível migração de vendas de produtos de maior valor para itens mais baratos e a segunda, porque vende também produtos alimentícios, setor que será menos afetado com uma queda de demanda.

Dentre as empresas que estão sentindo mais fortemente os efeitos da crise está a indústria eletrônica. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, "a redução na Selic, oxalá, deve amenizar o ambiente de catastrofismo que se estabeleceu recentemente, face ao expressivo número de demissões ocorrido na indústria", aponta ele. "Mas o Copom não pode parar por aí: há espaço e condições para chegarmos ao final do ano com a Selic próxima de 9%", afirma.

Barbato espera, também, que este pensamento chegue aos bancos privados, responsáveis pelo financiamento do varejo e dos consumidores. "Resta agora saber o que os bancos farão com o spread", ressalta.

O spread bancário também foi lembrado pelo presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Aguinaldo Diniz Filho. "A Selic é uma referência do governo para as outras taxas. Não podemos deixar de falar do spread bancário, que também deve ter redução", aponta, ao mesmo tempo em que destaca que a taxa básica de juros ideal hoje seria entre 8% e 9% ao ano.

O setor têxtil registrou faturamento de US$ 43 bilhões em 2008, crescimento de 4% na comparação com 2007 (US$ 41,3 bilhões). De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), a balança comercial do setor teve déficit de US$ 1,4 bilhão. No entanto, se forem considerados apenas os produtos manufaturados, excluindo-se a fibra de algodão, o déficit passa a ser de US$ 2 bilhões.

Foram investidos R$ 1,5 bilhão em 2008 e Diniz Filho prevê um aporte bem menor para o ano, embora não tenha arriscado um valor. "O setor gera muitos empregos [no acumulado de 2008 até novembro, houve a geração de 51 mil novos registros em carteira na indústria têxtil e de confecção], mas se o custo do dinheiro continuar alto, as contratações também diminuirão", relata.

Já o diretor-executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net), Gerson Rolim, afirma que qualquer medida anti-crise é válida para o setor, e que a redução da Selic - e a continuação desse movimento -, pode promover um maior uso do canal pelos consumidores.

"Certamente uma Selic menor incentiva um spread menor e nesse caso teremos maior margem nos negócios. Ficamos muito preocupados com a manutenção da taxa na penúltima reunião, mas ficamos mais aliviados com a redução efetivada neste último encontro do Copom", disse Rolim. Segundo ele, o setor de comércio eletrônico cresceu 35% em 2008 ante 2007, com um faturamento de R$ 8,5 bilhões. Para 2009, a intenção é manter o ritmo de expansão e superar a casa dos R$ 10 bilhões em faturamento.

Recentemente, o economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, destacou à imprensa que a redução das taxas cobradas pelos bancos deve ser mais lenta do que a queda nas taxas de captação, em razão dos maiores riscos na concessão de crédito com a crise financeira.

De acordo com o economista, o cenário de incertezas deve causar estabilidade, ou até mesmo alta, nos níveis de spread (a diferença entre a taxa de captação e a taxa cobrada aos clientes) no curto prazo.

"Vivemos um cenário de mais incertezas e riscos. Hoje, as taxas de aplicação caem menos do que as taxas de captação", disse Sardenberg em encontro com jornalistas.

Sardenberg ressaltou que o movimento de alta no spread bancário desde junho reflete o agravamento da crise externa. Segundo ele, a tendência de alta da inadimplência tende a ampliar o peso do risco de inadimplemento na composição do spread. Em 2007, a participação da inadimplência no spread ficou em 37,35%, segundo estimativas do Banco Central (BC).

"No momento em que a incerteza se reduzir, vai haver um maior apetite por concessão de crédito. Então, o spread deve voltar a cair", diz o economista-chefe da Febraban.

De acordo com Sardenberg, a escassez de funding externo forçou os bancos a buscarem alternativas de captação, como a emissão de Certificados de Depósitos Bancários, a fim de atender a forte demanda por crédito, fato que ajudou a pressionar para cima o spread nas operações de pessoa jurídica. Dados do BC mostram que o spread nas operações de crédito para as empresas atingiu 18,33 pontos percentuais em dezembro, depois de fechar 2007 em 11,89 pontos percentuais.

Além disso, para justificar os números apresentados pelo BC, o economista aponta que as operações de crédito de spread mais baixo, como financiamento de veículos e crédito consignado, têm apresentado contração ou fraco crescimento, o que amplia o peso das operações mais caras no cálculo do spread médio dos bancos.

Por Suzana Inhesta
Fonte: Agência Leia

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